Saiba mais sobre a Demurrage de Contêiner

Atualizado em: por Sinara Bueno.

Dificilmente você vai encontrar alguém com um pouco de experiência em importação marítima e que não tenha uma história — geralmente triste — para contar sobre esse importante tema do transporte marítimo: a demurrage de contêiner (container) na importação.

Vamos saber mais sobre a demurrage de contêiner na importação?

Vem comigo saber tudo sobre Demurrage! 😉

Demurrage de contêiner na importação

O que é demurrage?

Demurrage ou sobre-estadia é o valor pago pelo importador devido ao descumprimento de cláusula constante no conhecimento de transporte marítimo (Bill of Lading - B/L) e/ou no Termo de Responsabilidade de Devolução de Contêiner pela devolução do contêiner após o free time. A palavra demurrage é originária do francês antigo e foi incorporada ao vocabulário do comércio exterior.

O que é o Termo de Responsabilidade de Devolução de Contêiner?

Termo de Responsabilidade de Devolução de Contêiner é um documento exigido por alguns Armadores (empresa proprietária, sócia ou afretadora do navio que por sua conta e risco, equipa, mantém e explora comercialmente a navio mercantil) para desbloqueio da carga no Siscomex Carga e, consequente, disponibilização para transporte / liberação. O também chamado Termo de Compromisso de Devolução de Contêiner tem por finalidade prever a indenização ao Armador, através da cobrança de demurrage (sobre-estadia), caso o proprietário da carga (importador) atrase a devolução do contêiner.

No Termo de Responsabilidade, estarão os prazos para utilização do contêiner e os valores a serem cobrados como demurrage. O referido documento é utilizado como garantia de que o contêiner será devolvido nas condições em que foi recebido e até a data convencionada, caso assim não aconteça, o importador se responsabilizará pelos danos ou pelas condições não observadas.

Cada Armador Marítimo possui um modelo próprio, cuidadosamente elaborado por seu departamento jurídico, bem como eventuais exigências tais como reconhecimento de firma, apresentação de documentos constitutivos do importador, etc..

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Quando ocorre a demurrage de contêiner na importação?

A demurrage de contêiner na importação será cobrada pelo Armador quando o importador não devolver o contêiner no prazo determinado (free time). O tempo concedido pelo Armador para retirada do contêiner do porto, desunitização e devolução da unidade vazia no terminal (free time) estabelecido geralmente é de sete dias para contêiner dry e cinco dias para contêiner reefer.

De acordo com a Resolução Normativa da Antaq nº 18/2017, o prazo de livre estadia do contêiner (free time) na importação é contado a partir do dia seguinte da chegada da carga no porto.

Como calcular o valor da demurrage de contêiner na importação

O valor da demurrage é estabelecido por cada Armador e varia conforme o porto onde o contêiner foi descarregado. Esse valor cobrado da demurrage não guarda qualquer relação com o custo do frete da mercadoria ou mesmo com o valor da mercadoria em si, constante da fatura comercial.

Os valores são por dia e em dólares e, como podemos observar, são crescentes quanto maior for a demora para devolver o contêiner vazio. Vamos ver um exemplo de cálculo de demurrage com base na tabela acima:

Data de chegada do contêiner no porto: 30/09/2020.

Data da devolução do contêiner no terminal designado pelo Armador: 28/10/2020

Total de dias entre o início e o fim da contagem: 28 dias.

Cálculo da demurrage

Confira como calcular o demurrage:

  • Free time (07 dias): do dia 01/10 até o dia 07/10
  • 8º ao 13º dia (08/10 a 13/10): 6 x US$ 65 = US$ 390
  • 14º ao 20º dia (14/10 a 20/10): 7 x US$ 95 = US$ 665
  • 21º ao 28º dia (21/10 a 28/10): 8 x US$ 125 = US$ 1.000
  • Total da demurrage: US$ 2.055

Utilizando como exemplo uma taxa de conversão de câmbio onde US$ 1 = R$ 6, teríamos uma demurrage a ser paga no valor de R$ 12.330.

Em uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação - IBTP, a demurrage foi apontada pelos importadores como o segundo maior custo no processo, atrás apenas da armazenagem. 

Qual o limite do valor da demurrage?

Seja no B/L ou no Termo de Responsabilidade de Entrega de Contêiner, observamos que não há um limite estabelecido para o valor da demurrage, podendo essa cobrança ultrapassar o valor do próprio contêiner, do frete ou mesmo da mercadoria objeto da importação. 

Normalmente, antes da importação, o importador efetua diversas cotações em busca do menor frete. Contudo, a demurrage (e o free time) também deve sempre ser negociada juntamente com o frete e anteriormente ao embarque da mercadoria, no intuito do importador evitar um grande problema no término da operação.

Demurrage: base legal e regulação

A base legal da demurrage está estabelecida no Direito Marítimo e no Direito do Comércio Internacional. Até bem pouco tempo, não havia no Brasil legislação que tratasse especificamente das questões relacionadas à sobre-estadia, entretanto em 21 de dezembro de 2017, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, editou a Resolução Normativa nº 18 “que dispõe sobre direitos e deveres dos usuários, dos agentes intermediários e das empresas que operam nas navegações de apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso, e estabelece infrações administrativas”. A sobre-estadia (demurrage) consta na Seção III do Capítulo V, abaixo reproduzida (grifos nossos).

SEÇÃO III

DA SOBRE-ESTADIA DO CONTÊINER

Art. 19. As regras e os valores de sobre-estadia, bem como o número de dias de livre estadia do contêiner deverão ser disponibilizados até a confirmação da reserva de praça ao embarcador, ao consignatário, ao endossatário e ao portador do conhecimento de carga - BL.

Art. 20. O prazo de livre estadia do contêiner será contado:

I - no embarque, a partir da data de retirada do(s) contêiner(es) vazio(s) pelo embarcador no local acordado; e

II - no desembarque do(s) contêiner(es) cheio(s), a partir do dia seguinte após a entrega da carga no local acordado.

Art. 21. A responsabilidade do usuário, embarcador ou consignatário pela sobre-estadia termina no momento da devida entrada do contêiner cheio na instalação portuária de embarque, ou com a devolução do contêiner vazio no local acordado, no estado em que o recebeu, salvo deteriorações naturais pelo uso regular.

  • 1º Caso o embarcador decida postergar o embarque do contêiner por qualquer motivo, ou dê causa ao postergamento, a contagem do prazo da sobre-estadia somente se encerrará no momento do efetivo embarque.
  • 2º A contagem do prazo de livre estadia do contêiner será suspensa em decorrência de:

I - fato imputável diretamente ao próprio transportador marítimo, ao proprietário do contêiner, ou ao depósito de contêineres (depot); ou

II - caso fortuito ou de força maior, se não houver se responsabilizado por eles expressamente.

  • 3º A contagem da sobre-estadia que já tiver sido iniciada não se suspende na intercorrência de caso fortuito ou força maior.
  • 4º O transportador marítimo ou o proprietário do contêiner deverá manter disponível ao embarcador, ao consignatário, ao endossatário e ao portador do conhecimento de carga - BL, a partir do primeiro dia de contagem da sobre-estadia, enquanto esta durar, a identificação do contêiner e o valor diário de sobre-estadia a ser cobrado.

Contudo, a tentativa da Antaq é apenas para regulamentar a cobrança já que 90% dos processos que envolvem o Direito Marítimo no Judiciário se referem a demurrage. E os Armadores são vencedores em praticamente todos os casos.

A regulamentação da Antaq geralmente não tem tido acolhimento nos tribunais de justiça tendo em vista que o Judiciário tem decidido que uma resolução de uma agência não pode definir ou regulamentar uma atividade entre o transportador marítimo e o importador. Ademais, a cobrança de demurrage tem como base um contrato privado entre as partes (o B/L e/ou o Termo de Responsabilidade). Não pretendemos nesse artigo discutir toda a questão jurídica desse controverso tema que é a demurrage. A sobre-estadia é alvo de diversos livros e teses de Direito para ambos os lados (Armadores e Usuários).

Uma das grandes reclamações dos importadores é que no Brasil, diferentemente da Europa e dos Estados Unidos, não há um limite para a cobrança da demurrage. Como os Armadores sempre vencem na justiça as questões ligadas a demurrage, a orientação dos advogados da área geralmente é: negociar, negociar e negociar, seja antes do embarque ou mesmo depois, quando chega a cobrança da sobre-estadia. Tudo é negociável! Seja o free time e a tabela de demurrage antes do embarque, seja a diminuição e/ou parcelamento da demurrage após o recebimento da cobrança.

Como evitar a incidência da demurrage de contêiner na importação?

Conforme já dissemos aqui, o primeiro passo é a negociação do free time antes do embarque da mercadoria, juntamente com a cotação de frete. Quanto maior o free time, mais tempo tem o importador para trabalhar e resolver algum eventual imprevisto quando da chegada da mercadoria tais como greve e exigências na conferência aduaneira como exigência de documentação específica ou mesmo laudo técnico, por exemplo

Além da negociação, do planejamento logístico e de um contínuo gerenciamento da importação, existem algumas alternativas operacionais que podem ser utilizadas:

  • Desunitização do contêiner antes do registro da Declaração de Importação: o importador solicita ao terminal de descarga (zona primária), se possível antes mesmo da chegada do navio, que faça a retirada da mercadoria do contêiner e a deposite em armazém alfandegado. Após a desunitização, deve ocorrer a devolução do contêiner vazio a fim de que seja finalizado o prazo de contagem de demurrage.
  • Remoção para recinto aduaneiro de zona secundária (Porto Seco, EADI, CLIA): no caso de não ser possível a desunitização em zona primária, conforme item anterior, ou mesmo por questões de custo de armazenagem, já que essa despesa costuma ser mais alta na zona primária, o importador pode solicitar a remoção do contêiner para um outro recinto alfandegado através do registro da Declaração de Trânsito Aduaneiro (DTA). Finalizada a DTA, o importador solicita a desova e devolução do contêiner vazio, encerrando o prazo de contagem de demurrage.

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Por último, mas não menos importante, uma dica para evitar a demurrage é que o importador conte com um bom profissional Despachante Aduaneiro, que com certeza fará todo o possível para evitar a despesa de sobre-estadia de contêiner. É relevante mencionarmos também que o Despachante Aduaneiro não é responsável solidário pela demurrage, de acordo com o Acórdão nº 535-ANTAQ, de 20 de setembro de 2021, abaixo reproduzido.

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO

Publicado em: 21/09/2021 | Edição: 179 | Seção: 1 | Página: 49
Órgão: Ministério da Infraestrutura/Agência Nacional de Transportes Aquaviários

ACÓRDÃO Nº 535-ANTAQ, DE 20 DE SETEMBRO DE 2021

Processo: 50300.012347/2021-21
Parte: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF. Ementa: Representação acerca da responsabilização solidária de Despachantes Aduaneiros por débitos relativos à demurrage de contêineres. Prática irregular e abusiva. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Diretores da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, reunidos para a 509ª Reunião Ordinária da Diretoria Colegiada, realizada entre 13 e 15/09/2021, por maioria, vencido o Relator, Diretor Adalberto Tokarski, ante as razões expostas pela Diretora Flávia Morais Takafashi, em: I - declarar irregular e abusiva a prática de responsabilização solidária dos despachantes aduaneiros por débitos relativos à demurrage de contêineres, sob pena de submissão às medidas sancionatórias cabíveis, conforme os termos preconizados pela Resolução Normativa-ANTAQ nº 18/2017; e II - cientificar a Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul e o Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado do Rio Grande do Sul (SDAERGS) acerca da presente decisão. Participaram da deliberação o Diretor-Geral Eduardo Nery, o Relator, Diretor Adalberto Tokarski, e a Diretora Flávia Morais Takafashi.

EDUARDO NERY MACHADO FILHO - Diretor-Geral
ADALBERTO TOKARSKI - Diretor Relator
FLÁVIA MORAIS LOPES TAKAFASHI - Diretora

 

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Sinara Bueno
Sinara Bueno

Despachante Aduaneira, formada em Comércio Exterior e empreendedora. Apaixonada por criar e inovar no Comex! Trabalhou na área de importação e exportação de indústrias, consultorias de comércio exterior e, nos últimos anos, tem se dedicado aos sistemas para comex. É co-founder da Fazcomex

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